A Folha é o maior jornal do país, o mais influente. Entre os chamados "jornalões", o mais vendido. A Folha quer ser moderna, já quis ser revolucionária, já foi mais inquieta, hoje está mais acuada, parece preguiçosa. De vez em quando faz mudanças cosméticas. Mas no jornalismo que ela se propõem a fazer é o texto que importa. A Folha sempre quis ter os dois lados da moeda. A direita e a esquerda.
O pensamento de direita no Brasil sempre foi muito demonizado. O PFL sempre foi um partido de direita que não ousava dizer seu nome. A queda do Muro de Berlim, a democratização do Brasil e, quem sabe, o mensalão petista tirou os ditos direitistas do armário.
A VEJA, há muito, capitulou. É a direita sem vergonha de dizer seu nome. Olavo de Carvalho parece, hoje, apenas uma figura que entra numa nota de rodapé. Reinaldo Azevedo, Diogo Mainardi, Nelson Ascher, Demétrio Magnolli, Luis Felipe Pondé, João P. Coutinho estão todos por aí, na ativa, influenciado opiniões alheias.
Bem, voltando à Folha. Ainda que queira se vender com um pé na casa-grande, outro na senzala, vai fazendo suas escolhas, com certa vergonha, querendo preservar um espaço para seu ímpeto esquerdista juvenil. Ao ler o jornal, as vezes, me parece que o Clóvis Rossi, por exemplo, é cada vez mais um estranho naquele ninho. E olha que vez por outra dá pra perceber certo desconforto da velha guarda do jornal.
Em 26 de maio, o jornal publicou no caderno "Poder", reportagem que tratava de dois lançamento recentes: "A esquerda que não teme dizer seu nome" e "Por que virei à direita".
O primeiro escrito por um dos "milhares" de colunistas do jornal, o segundo com três quase ensaios, dois deles escritos também por um dos "milhares" de colunistas do jornal. Está aí uma prova de que jornal abriga todas as correntes. Sei. Esse primeiro texto publicado pelo jornal assinado por Marcos Augusto Gonçalves, repórter e editorialista da Folha, é, digamos assim, imparcial. Em que o autor termina o texto louvando a dificuldade do não alinhamento automático a nenhuma das ideias expostas.
Bem, só que a Folha não se deu por satisfeita e resolveu publicar as resenhas críticas sobre os dois livros no caderno Ilustrada. E nessa hora, de maneira bem direta, mostrou onde se posiciona nesse debate.
Para escrever sobre o livro da direita convidou um doutor em história pela USP e editor da Cosac Naify. A resenha fala menos dos textos em si e mais das filiações e da contextualização sobre como o pensamento conservador ganhou terreno nos tempos que correm. Em certo momento aponta para um bom gancho ao afirmar que Pondé e Coutinho "argumentam como acuados, como se a esquerda derrotada fosse hegemônica". Mas, ao fim, a avaliação é de que o livro é ótimo.
Bem, bem, num espaço menor, deve ser porque um dos livros tem 112 páginas e outro 88, o jornal convidou outra pensador para resenhar o livro da esquerda. Quem, quem? João Pereira Coutinho (J.P.C), um dos autores do primeiro livro.
O que esperar de um alguém que acaba de escrever um texto relatando os motivos que o fizeram desembarcar do pensamento esquerdista sobre essa mesma visão. Nada mais do que isso: "arcaicas, ideias deveriam estar num museu".
Se a Folha convidou, sabia que o tom seria esse. Não há no texto de J.P.C. nada além daquilo que já se espera dele. E claro, ao fim, o livro é avaliado como ruim.
O J.P. C., que não é bobo nem nada, ainda aproveita para cutucar a Folha pois começa o texto afirmando: "Vladimir Safatle deveria estar num museu". Será que ele estaria sugerindo que esse museu é a parte do jornal que não está sob o domínio do seu pensamento.
Observação final: O jornal publicou no Painel do Leitor o seguinte texto: "Sinto que houve uma queda na qualidade do jornal e uma forte guinada para a "direita".