Diante mão, sei que esse texto vai acabar sendo longo. A pauta é interminável e quem escreve comete o pecado da prolixidade, mas em um país com tanto vícios, os de linguagem são os menos danosos, ainda assim, pra lembrar da pauta anterior sobre moda, são deselegantes.
No campo pessoal, efemérides como aniversários sempre me parecem enfadonhos. Acredito que a vida é feita no cotidiano, nas escolhas diárias que fazemos, esse blablablá, que você, se não for muito bobo, já deve ter lido ou escutado falar em qualquer lugar vulgar.
Pode ser um convite à reflexão, mas quem depende de aniversários e afins para colocar tico e teco pra funcionar tá ferrado, de qualquer modo, mesmo que assim o seja, a reflexão é um convite para a ação e essa, meu caro, é feita diariamente.
É claro que esse preâmbulo deve-se ao aniversário de São Paulo. É o momento em que a dor e a delícia da cidade se exasperam. Bairrismo, preconceitos, oba-oba, tudo é motivo pra chafurdar a cidade. Ligeiramente, tudo isso é SP.
Como opinião todo mundo tem e besteira nunca é demais e nem é exclusiva dos mortais comuns, dois blogeiros, uma da Folha, Gilberto Dimenstein, outro do UOL, Sakomoto resolveram saudar a passagem pelo aniversário da cidade.
Dimenstein começa com uma defesa: "Não é bairrismo". Nem sempre, mas quando se começa um texto com uma defesa é sinal que vem besteira. E veio, em certa altura, o jornalista escreve: "Ninguém consegue ter um projeto importante no Brasil se não morar aqui".
Essa afirmação não fica em pé. Mas como é de fato muita pesada, ele tergiversa: "Ou se não tiver um pé aqui. Pode tentar, dificilmente vai conseguir".
Dependendo do que ele quis dizer com "um pé aqui", até pode ser verdade, mas sera lícito concluir que para o autor quem nunca foi à SP é incapaz de realizar a façanha de "ter um projeto importante para o Brasil"?
Já Sakamoto, embora declare seu amor à São Paulo, resolve tirar sarro dos preconceitos que rondam a metrópole, um deles sintetiza quase todos: "São Paulo sustenta esse país", que não é mais do que uma versão explícita de outra síntese: "São Paulo é a locomotiva do Brasil".
Não sou paulistano, nem paulista, tão pouco moro em São Paulo, mas tendo a entender a afirmação. Mas quem repete esses chavões faz de conta que a cidade tem tudo a ver com o que de melhor tem o país tem e nada a ver com as mazelas que assolam nosso cotidiano. Em resumo, me questiono: São Paulo, a locomotiva do Brasil, não tem nada a ver com o nosso atraso?
A cutucada no Dimenstein é apenas para alertar o peso de sua afirmação. O saudoso Daniel Piza ao comentar os 400 anos da cidade já afirmara que era ali onde estavam o dinheiro e o conhecimento.
Acredito que nos últimos anos, há uma tendência sim de descentralização do conhecimento e que em algumas áreas, outras cidades concorrem em nível de igualdade com o "centro nervoso do país".
Mas como a "força da grana", huum, como diz Zé Simão: "...SP tem tanto dinheiro que você só é rico se for pra outra cidade. Porque em SP todo mundo é mais rico que você!"
Voltando ao meu mestre Piza: "Mas dinheiro e conhecimento, se podem trazer felicidade, não necessariamente trazem sabedoria. E São Paulo deveria, depois da ressaca, começar a pensar em ser sábia. O abandono de boa dose de sua petulância não lhe tiraria a virtude da persistência; cuidar de sua memória até lhe ajudaria a cimentar o futuro; a expansão do espaço e espírito públicos não trairia seu vigor produtivo. Seriedade, classe e objetividade só devem aumentar, mas não ser evocadas para justificar brutalidade, marginalização de milhões aos quais não se dão cidadania, urbanização, acesso consistente."
ps.: retornarei à cidade daqui alguns dias, novas impressões, mas num estilo bem pessoal.